Como uma estratégia de disciplina e foco em escala transformou a ASAAS em uma das maiores fintechs da América Latina

Ao captar R$ 820 milhões em uma das maiores rodadas de investimento em tecnologia da América Latina, a ASAAS consolidou sua posição como um dos principais cases do setor financeiro digital no país. Mas o que levou essa fintech residente do Instituto Caldeira a alcançar um feito tão expressivo não foi  uma aposta em tendências efêmeras do mercado. A chave do sucesso está em uma combinação rara de disciplina financeira, visão de longo prazo e uma conexão profunda com as reais dores de seus clientes.

A história da ASAAS começou em 2010 como uma unidade de negócios dentro de uma fábrica de software. O objetivo inicial era resolver uma dor interna, que era a dificuldade de automatizar cobranças. Ao  tentar transformar essa solução em um produto escalável para outras empresas, os fundadores enfrentaram um duro choque de realidade. “Queríamos um modelo de auto-uso, auto-compra, com uma integração via API, pensado para empresas de tecnologia. Mas o mercado não estava pronto para isso”, relembra Diego Contezini, cofundador da ASAAS. “Tentamos vender para startups e ninguém usava. Um ano inteiro faturando R$ 40,00 por mês.”

A grande virada veio quando eles deixaram de lado o perfil idealizado de cliente — sofisticado, técnico — e passaram a escutar quem realmente queria comprar. “Nos demos conta de que o verdadeiro mercado estava nos pequenos empreendedores, que tinham uma dor real na hora de emitir cobranças. Gente humilde, que escrevia e-mails em caixa alta, mas que gerava volume e precisava de solução simples e direta.” A partir daí, a equipe reconstruiu o produto com foco nesse público, tornando-se “o McDonald’s drive-thru da cobrança”, como Diego define. A interface precisava ser tão acessível que até quem mal escreve pudesse usar sem ajuda.

Essa decisão de atender um público negligenciado, aliada à recusa em seguir caminhos mais fáceis mas desalinhados com a visão de longo prazo, foi decisiva. “Teve um momento em que os investidores queriam que eu fosse vender para manter a empresa viva. Eu disse que não. Se eu vendesse, iria conseguir clientes, sim, mas não os certos. E aí estaríamos condenados a ser pequenos. A proposta sempre foi escalar, criar algo grande.”

O resultado dessa persistência veio ao longo de uma década. Mesmo em meio à euforia do mercado de venture capital, a ASAAS manteve o foco em validação de produto, sustentabilidade financeira e crescimento consistente. “O mercado valorizava histórias bonitas, e não comprovação de tese. Enquanto outros prometiam ganhar dinheiro no futuro, a gente já tinha receita, plano claro e execução validada”, explica Contezini. Essa disciplina se traduziu em crescimento de 50% a 80% ao ano, sem depender de rodadas para sobreviver. Quando chegou a hora certa de captar, a empresa estava sólida, com métricas, governança e reputação bem estabelecidas.

O aporte de R$ 820 milhões, além de coroar essa trajetória, destaca a mudança de percepção do mercado. “O que mudou não fomos nós, foi o mercado. Passou-se a valorizar empresas que são sustentáveis. E nós estávamos preparados.” A rodada foi fruto de um trabalho consistente, que incluiu um esforço intenso de relacionamento com investidores, liderado pelo presidente da empresa, Piedro Contezini, e pelo CFO, João. “Alimentamos os investidores com transparência há anos. Eles nos conheciam profundamente.”

Por trás desse sucesso, há uma cultura organizacional cuidadosamente cultivada. A ASAAS opera de forma 100% remota e aposta na liberdade com responsabilidade como pilar de inovação. “Para funcionar no remoto, o computador tem que vencer a distração de casa. Isso só acontece com pessoas apaixonadas pelo que fazem. Gente que escolhe trabalhar porque gosta, e isso gera autonomia e inovação de verdade”, diz Diego. Com quase 900 colaboradores, a empresa é hoje mais ágil do que quando tinha 50. “A gente não controla ninguém. Mas todo mundo tem métricas, sabe o que precisa fazer. E quem não carrega um piano, faz com que alguém precise carregar dois.”

Essa combinação de clareza estratégica no topo e micro inovações constantes na base cria um ambiente propício para escalar com eficiência. A empresa está agora focada em expandir seus serviços financeiros, oferecendo mais produtos com o mesmo princípio de automação e simplicidade, e em explorar os impactos da inteligência artificial no relacionamento com clientes. “O mundo está mudando muito rápido. E quem conseguir errar e aprender rápido, vai abrir anos de vantagem sobre os concorrentes.”

Para Diego, a ASAAS não se tornou um sucesso por prometer o futuro, mas por construir um passo de cada vez, com foco no essencial. “A gente sempre mirou grande, mas com responsabilidade. Queremos atender o Brasil inteiro, mas não a qualquer custo. A disciplina foi o que nos trouxe até aqui — e é ela que vai nos levar adiante.”