Startups precisam mostrar aos investidores que têm um plano concreto de lucratividade, alerta Marina Mansur, da McKinsey
Mesmo diante de um cenário desafiador, que alonga a busca pelo ponto equilíbrio entre crescimento e lucratividade, as startups continuam progredindo na América Latina, graças à digitalização do consumidor brasileiro. Na outra ponta, embora com menos caixa, fundos de investimento têm se tornado mais ágeis e independentes. As afirmações vêm do estudo sobre perspectivas para startups nacionais em 2023, apresentado por Marina Mansur, sócia da McKinsey and Company, durante um painel exclusivo no Brazil at Silicon Valley, realizado no final de abril no Vale do Silício (EUA). O Instituto Caldeira participou do encontro.
A aquisição de novos clientes é a principal fonte de crescimento das startups, e o ciclo médio do lançamento à monetização leva menos de um ano, diz a executiva. No entanto, o caminho para o ponto de equilíbrio é mais longo do que o esperado e, mesmo depois de nove anos, um terço das startups ainda não atingiu o ponto de equilíbrio.
Essa pressão para acelerar a lucratividade significa que as startups precisam encontrar eficiência de custo, com três alavancas: custo de aquisição, custos de TI e demissões.
O estudo revelou que as startups precisam diminuir o valor vitalício dos clientes além do custo de aquisição, especialmente em setores como fintech, onde a proporção é alta.
Apesar dos desafios, a especialista acredita que há uma grande oportunidade de investimento na indústria de tecnologia, mas ajustes precisam ser feitos devido à atual crise econômica. Conforme Marina, a relação entre investidores e fundadores tornou-se mais madura, com os fundadores priorizando a qualidade da rede e a orientação sobre o financiamento.
“O ecossistema brasileiro de startups apresenta oportunidades e desafios tanto para startups quanto para investidores. As startups precisam encontrar maneiras de equilibrar crescimento e lucratividade. Já os investidores precisam ajustar seus modelos operacionais para serem mais independentes, ágeis e focados na rentabilidade”.
Confira a entrevista completa que o time de conteúdo do Instituto Caldeira fez com a Marina Mansur.
Caldeira – Como você avalia o momento atual para as startups, considerando o fato de que os investidores estão mais cautelosos?
Marina – O cenário realmente é desafiador. Depois de um boom com um ambiente de inovação nunca antes visto – que passou por um crescimento em quatro vezes do número de unicórnios e por um aumento de seis vezes no montante de investimentos, entre 2018 a 2021 – as startups latino-americanas estão experimentando seu primeiro ciclo real de baixa.
Apesar desse cenário, é necessário colocar em perspectiva que o volume total de capital disponível está menor que o pico de mercado em 2021, mas ainda está acima de níveis pré-pandêmicos e em crescimento constante. 47% das startups cresceram mais que 90% ao ano em 2022, de acordo com uma pesquisa realizada pela McKinsey com aproximadamente 200 startups da América Latina.
Se na época de grandes altas o foco era crescer a qualquer custo, em tempos de baixa as startups precisam demonstrar aos investidores que possuem um plano concreto para lucratividade, mesmo que a médio-longo prazo. Tudo se resume a encontrar o ponto de equilíbrio entre crescimento e lucro.
Caldeira – Qual a importância e qual o caminho para as startups atingirem o seu ponto de equilíbrio?
Marina – Esse ponto de equilíbrio é essencial pelo momento atual de baixa do mercado e pelos investidores estarem mais exigentes. No contexto atual, crescer sem lucratividade é perdulário; ter lucratividade sem crescer soa como síndrome de Peter Pan. Vai se destacar quem conseguir equilibrar ambos.
Vale ressaltar que o caminho não é necessariamente linear para todas as startups. Fatores como indústria de atuação, modelo de negócio e estratégia de crescimento podem influenciar em como as startups vão encontrar esse ponto de equilíbrio. Não existe receita única para o sucesso e cada empreendedor vai encontrar o melhor caminho para o seu negócio. Para superar o cenário de down cycle, sugerimos os seguintes caminhos:
Máxima eficiência de LTV/CAC – uma das métricas mais importantes é a visão do retorno ao longo do ciclo de vida de um cliente (Life Time Value), sobre o custo de aquisição (Customer Aquisition Cost). Normalmente essa métrica diminui ao longo do início de vida de uma empresa, mas é esperado que ela se estabilize e cresça uma vez que a empresa ganhe corpo. É crucial que fundadores e executivos tenham
transparência e monitorem de perto esse pulso, procurando canais que otimizem o CAC, além de ajustar a oferta de produto a fim de ampliar o LTV.
Melhor uso da tecnologia – maior eficiência em TI é prioridade para 49% das startups pesquisadas. Isso porque custos com uso de nuvem e time de desenvolvimento estão entre as maiores dores para empresas nativas digitais. Para que essa despesa não se intensifique, é preciso implementar ferramentas de monitoramento do uso de cloud e procurar alavancas para uma maior produtividade dos engenheiros de software. Quem consegue fazer isso reduz em até 3 vezes o time to market, incorre em 20-30% menos
erros e diminui até 25% dos custos em cloud.
Alinhamento da proposta de valor do colaborador (EVP) – neste momento desafiador, fortalecer os fundamentos do time e da cultura é uma prioridade para 59% dos fundadores entrevistados. O desafio atual é o desalinhamento da visão do que importa entre fundadores, colaboradores e estudantes. Enquanto fundadores acreditam que propósito, cultura e oportunidade de aprendizado são os fatores decisivos para atração de talentos, colaboradores e estudantes se importam com aspectos mais
objetivos, como salário e modelo de trabalho remoto.
Cadeira – Como você enxerga o mercado de Corporate Venture Capital (CVC) no Brasil?
Marina – Vemos o mercado de CVCs ainda se desenvolvendo na região. Mais de 70% dos CVCs no Brasil foram fundados a partir de 2020. Dessa forma, é um modelo ainda recente e observamos um grande potencial de amadurecimento se comparado a mercados mais bem estabelecidos como os EUA por exemplo. O contexto de tecnologia e inovação é cada vez mais relevante no ambiente dos negócios e as startups têm um papel fundamental na transformação das indústrias, principalmente dentre aquelas mais tradicionais e concentradas.
Outra questão importante de destacar é que as empresas mais bem-sucedidas usualmente têm um papel ativo no fomento de novos negócios, não somente acompanhando de perto o surgimento de novas ideias, mas também investindo de fato na criação de novos negócios.
Caldeira – Quais são os pontos que o Brasil precisa avançar para amadurecer no modelo de CVC?
Marina – Dada a sua recente tendência, é natural que os CVCs ainda tenham um caminho natural para se desenvolver. No nosso estudo, constatamos que apenas 12% dos CVCs no Brasil possuem um time de gestão 100% independente. A independência na tomada de decisão é fator importante para a profissionalização da modalidade dentro das empresas, assim como para o ganho de agilidade e competitividade no mercado de venture capital (VC).
Outro fator importante é a gestão e monitoramento do portfólio. É fundamental que os CVCs tenham clareza das sinergias em suas teses de investimento e que possam monitorar com precisão a performance financeira e operacional das startups.
Caldeira – De acordo com o estudo da McKinsey, muitos CVCs no Brasil precisam ajustar seus modelos operacionais para serem mais independentes, ágeis e focados na lucratividade. O que isso quer dizer na prática?
Marina – Os CVCs são uma tendência nova no Brasil e podem ser ainda mais proeminentes se ajustassem seu modelo operacional. O mais produtivo seria que ajustassem processos de tomada de decisão para serem mais ágeis e tivessem um monitoramento financeiro de desempenho e capitalização de sinergias mais estruturadas. Também há oportunidades de melhorias no uso do know-how da indústria para apoiar os investimentos a alcançarem o sucesso, assim como na revisão do excesso de burocracia.
Importante ressaltar que há uma oportunidade de crescimento de US$2,5 bilhões no volume de investimentos via CVC na América Latina, de acordo com o estudo da McKinsey, que poderia ser ainda mais proeminente se realizadas as correções no modelo de operação.