João Mognon: o propósito é crucial para desenvolvermos o estado de Flow

O propósito é crucial para desenvolvermos o estado de Flow, aponta João Mognon

Você já atingiu o Flow? Já se sentiu em um estado mental de foco absoluto, imerso, motivado e confiante durante a realização de uma tarefa?  O conceito, difundido pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, nos leva a um cenário de auge da criatividade. “É uma performance física ou mental sem ansiedade, sem medo, sem sentimentos de baixa frequência. Quanto mais a gente está em estado de Flow no nosso cotidiano, mais felizes somos. Na medida em que as empresas souberem explorar isso, mais produtivas serão. Aliás, o propósito é crucial para atingirmos o Flow”, aponta João Mognon, cofundador e CCO da Positiv, startup de Saúde Mental baseada em Mindfulness e psicologia. Ele é um dos grandes empreendedores brasileiros. Aos 19 anos, fundou a Box 1824, consultoria referência no Brasil no estudo de tendências. Até os 34 anos, desenvolveu importantes trabalhos mapeando oportunidades de inovação para grandes empresas, como Fiat, Unilever, Nike, Google, Samsung, Itaú e tantas outras. Mas, depois de um tempo, começou a sentir uma angústia pessoal, que o levaria a buscar novos rumos. “Uma das máximas do estudo de futuros são as palavras, por vezes atribuída a Akio Morita co-fundador da Sony, por outras a Peter Drucker, mas que dizem o seguinte: a melhor maneira de prever futuro é criando o futuro. Essa visão sempre me inspirou e decidi, naquele momento, me reorientar. Deixar de criar futuros apenas para grandes empresas e criar a minha própria versão do futuro”, conta Mognon. Foi então que, junto com outros parceiros, como Helder Araújo e Renata Rocha, co-fundadores da Positiv, construíram a melhor visão coletiva que eles tinham sobre o futuro. Quando deixou a Box1824, o empreendedor passou a transitar no universo das novas tecnologias e das startups. Foi co-fundador também da Talk Live e NewsMonitor, e investiu em empresas como Aquiris, Neemu e Kunumi. Até criar o Positiv App. Nesta entrevista com João Mognon tem de tudo um pouco. Das experiências que ele vem vivendo junto aos ecossistemas de inovação até um debate mais profundo sobre Saúde Mental, Mindfulness e Teoria do Flow, temáticas contemporâneas que deveriam cada vez mais fazer parte do dia a dia dos empreendedores, tanto pela evolução pessoal que podem levar como pelo aumento da produtividade que podem trazer às corporações.

 

Instituto Caldeira – Como foi a decisão de deixar a Box1824 e apostar no mundo das startups?

João Mognon – Meu olhar sempre foi o do comportamento, do mapeamento de traços psicológicos, semiótica e de como se desenrola essa relação entre cultura e comportamento humano. Saí da Box para me focar no universo da tecnologia que, pelo que eu já percebia na época, estava moldando toda cultura humana. Migrei do olimpo das grandes organizações para esse universo das startups, que é muito sedutor, mas que também é uma verdadeira guerrilha. Foi desafiador. O primeiro investimento que eu fiz como anjo foi na Aquiris, empresa de games gaúcha – hoje das mais importantes desenvolvedoras da América Latina. Eles cresceram muito nos últimos anos neste mercado que é gigante. Aliás, o game vai continuar transformando ainda mais a nossa cultura de formas que ainda nem podemos imaginar. Depois fiz um investimento na Neemu, que trabalha com Inteligência Artificial (IA) ligada ao e-commerce e foi vendida ao Grupo Linx em 2015. Também participei da fundação e investi na Kunumi, um dos principais labs de IA e uma das empresas mais curiosas que eu conheço. Um laboratório Impact-First de Inteligência Artificial e brasileiríssima – dá para acreditar? Assim como a Positiv, é um típico exemplo de empresa da era pós-digital.

Instituto Caldeira – Como podemos definir essa era pós-digital?

João Mognon – A era digital é o que a gente conhece, a internet, as redes sociais, a ascensão do mobile e os negócios como plataformas como Uber, AirBnb, Mercado Livre – para citar um lindo exemplo local. Agora, estamos entrando na era pós-digital, cuja característica é a transformação de todas as estruturas. Vemos aí, como exemplo disso, as criptomoedas, a transformação do sistema de saúde, a ascensão da superinteligência, as discussões sobre Universal Basic Income e a nossa vida digital se tornando uma espécie de novo habitat natural para o humano. Os especialistas dos anos 1990 falavam sobre o fenômeno da convergência digital. Desde 2007, com o nascimento do iPhone e dos ecossistemas de apps, essa convergência se concluiu. Agora, passamos para uma divergência digital, quando o digital chega no físico, para muito além das telas.

Gosto de pensar não como uma era da Internet das Coisas, mas uma era da Inteligência das Coisas. Tudo está ligado à internet, mas por um motivo: para que as coisas se tornem inteligentes. Essa passagem para um mundo de coisas inteligentes está mudando as nossas vidas para sempre. Inclusive, nossa interpretação do próprio mundo natural (que “sempre” esteve aqui) mas que agora pode ser reinterpretado, inclusive, com essas novas inteligências que estamos criando.

Modelos do cérebro, modelos de biomas. Hoje podemos reproduzir a vida através de Digital Twins de alta definição e confiabilidade. Uma das coisas mais importantes que caracteriza o pós-digital é a fusão entre biotecnologia e tecnologia da informação. É a possibilidade da mensuração dos nossos dados vitais por meio dos wearables ou da programação genética. Cada vez mais veremos a tecnologia se aproximar do corpo humano para nos ajudar a melhorar nossa saúde mental e a vitalidade emocional.

Instituto Caldeira – Você trouxe o tema da saúde mental que, em tempos de pandemia, está totalmente abalada. A digitalização acelerada também está levando a isso?

João Mognon – Essa grande fase da digitalização se caracteriza por uma aceleração enorme das informações, mas que gera vários problemas estruturais, fazendo que a infraestrutura do mundo desmorone e o tecido social (a infraestrutura psicológica coletiva) se desestruture, por isso tantas doenças mentais. Isso nos fez entrar abruptamente na era pós-digital onde a saúde mental precisa e deve se tornar mais importante do que a tecnologia. Com o evento pandêmico, esse tópico se tornou central. Por mais que saiamos da pandemia de Covid-19, estamos adentrando, mais e mais, na pandemia da saúde mental. A depressão assola hoje quase 10% de toda a população mundial. Em uma sociedade global de produção cerca de 85% das pessoas são insatisfeitas com o trabalho, enquanto mais da metade do tempo que estão acordadas passam trabalhando. Não tem como um modelo como esse se sustentar. Pior do que um meteoro dizimar metade da humanidade é 3/4 dela viver sem satisfação ou perspectiva de sentido. Os índices de depressão e suicídios só crescem, isso não pode ser negado, nem naturalizado. Precisamos mudar! E pode parecer simplista, mas eu acredito que a base desta mudança está no Mindfulness e nas novas tecnologias da consciência, como o que vemos dentro da renascença dos psicodélicos.

Instituto Caldeira – Como estancar isso e a ansiedade gerada por esse mundo tão volátil?

João Mognon – Os modelos como a psicanálise e a psicologia moderna sempre foram usados como instrumento para olhar os estados de sofrimento do ser humano e como tirá-lo disso. É algo muito válido e emergencial. Mas, de 30 anos para cá, existe uma corrente forte na academia que é a de olhar para estados de alta performance do ser humano, de olhar para a felicidade, para o que está dando certo. Os seres humanos agem por espelhamento. Se conseguirmos divulgar e incentivar estados de alta-performance e felicidade – sem cair na hipocrisia da positividade tóxica – conseguiremos redesenhar a cultura humana do Ter para o Ser. Algumas correntes de especialistas passaram a olhar para estados de alta performance, de êxtase, de amor, de compaixão e de gratidão para  entender o que estes estados nos geram. E aí temos uma mudança na narrativa, de olhar para as coisas que estão dando certo e como isso se mantem. Foi dessa visão que nasceu o Positiv, uma plataforma de saúde mental para ajudar as grandes corporações a cuidar de suas populações. Começamos pela auto-regulação do mindfulness e levamos times de alta e baixa gestão a entrarem em Estado de Flow – o que aumenta a produtividade, a inovação e a felicidade dos times.

Instituto Caldeira – O Flow é um dos caminhos nessa busca do que realmente nos faz feliz?

João Mognon – Sim. O estado de Flow é um estado natural do ser humano onde você está focado completamente, absorvido na tarefa que está desenvolvendo. Uma das principais características é que você tem um grande prazer no que está fazendo. Você está muito focado, o desafio é real, as metas tangíveis (você sabe o que precisa ser feito) e entra em uma dimensão de produtividade e de extremo prazer. Quando você conclui um fluxo destes, vê que produziu algo de grande valor. É uma performance sem ansiedade, sem medo, sem sentimentos de baixa frequência. Quanto mais a gente está em estado de Flow no nosso cotidiano, mais feliz somos.

Instituto Caldeira – Qual a diferença entre o Mindfulness e o Flow?

João MognonO Mindfulness é como se fosse um treinamento da sua atenção. Quanto mais praticamos, mais estaremos prontos para entrar em Flow.

O Flow se aplica não quando está sentado e meditando, necessariamente, mas quando está no seu trabalho, realizando algo. Ele está na relação entre as suas habilidades e o desafio que você tem em sua frente. Se você tem a habilidade da escrita e eu te pedir um texto muito simples, isso não gera um grau de desafio para você. Mas se é algo que te desafia, tem mais tendência a te possibilitar o Flow. Uma das bases deste estado é ter objetivos claros. Você se entrega para aquela prática que você tem já um grau de maestria e leva aquilo para um novo patamar. Você pode, sim, encontrar certa fricção nesse processo, mas você usa os recursos que possui para chegar a um nível superior.

Esse crescimento é altamente satisfatório para os seres humanos. A atividade mental é uma das que mais vai proporcionar Flow, mas tem também o Flow do corpo, muito ligado ao esporte.

Instituto Caldeira – Podemos treinar para atingir o estado de  Flow?

João MognonSim. Se você tem uma rotina meditativa, como comentei, tem mais tendência a entrar em Flow. Hoje, por exemplo, já é possível induzir o Flow com dispositivos, como os usadas pelos Seals, os militares americanos de alto padrão. Temos reproduzido isso dentro do universo corporativo com alguns líderes. Aliás, o aplicativo Positiv nasceu para ajudar pessoas e empresas nesse desafio, de transformar a sociedade em um espaço onde pessoas sejam mais felizes e realizadas com elas mesmas a partir do Flow e do Mindfulness. Expandir a consciência para nos ajudar a driblar as doenças mentais – que é algo que nos “ameaça” durante toda a vida dentro deste mundo ambíguo que vivemos.

Instituto Caldeira – Como está a maturidade do mercado corporativo para o tema do Flow?

João Mognon – Existem algumas iniciativas mais one to one com as lideranças, mas não há um trabalho massivo ainda. O Brasil está entrando agora na revolução do Mindfulness – que despertou há quase 10 anos nos EUA – a onda do Flow será subsequente ao Mindfulness. Ela já está começando a acontecer nos Estados Unidos e Europa.

Instituto Caldeira – Como o propósito das empresas está relacionado com o estado de Flow?

João Mognon – Conseguirmos reproduzir o estado de Flow nas organizações pode ser extremamente prazeroso para as pessoas e muito produtivo para o sistema. E isso tudo tem muito alinhamento com o propósito, que é algo que vem ganhando força também. O propósito é o drive interno que nos leva a executar coisas incríveis. Chegar nisso como indivíduo não é simples, e como indivíduo relacionado a uma organização menos ainda. Isso acaba nos levando a própria ansiedade do propósito.

Acredito na dimensão do propósito e que ele é crucial para desenvolvermos o Flow. Naveen Jain, o bilionário fundador da InfoSpace, sempre fala que é mais fácil recrutar capital e talento para uma ideia absurdamente gigante do que para uma ideia medíocre. É mais difícil criar uma startup medíocre do que uma com propósito gigantesco – o que ele chama de Moonshots (como o nome de seu livro). Quando criamos algo grande, vamos juntar talentos incríveis para executar isso. E ele é o cara que tem startups de mineração na lua e outra que trabalha com o microbioma do estômago – segundo a Viome, mais de 90% das patologias do mundo se desenvolvem por desequilíbrio do microbioma do estômago.

Jain está promovendo a nossa entrada mais rápida na macrotendência que chamamos de Super Humanos, que é o resultado da fusão da tecnologia com a biologia que nos permite viver até, segundo os especialistas, cerca de 180 anos – com saúde. Isso não é mais irreal é um futuro possível – mais para uns do que para outros.

Instituto Caldeira – Como você enxerga esse ambiente de muita inovação, mas também de certa crueldade no mundo das startups?

João Mognon – Existem dois tipos de startups. As que trabalham  autenticamente por propósito e as que trabalham pelo impacto financeiro que querem ter. As startups que focam na grana, naturalmente, vão gerar um ambiente mais nocivo – e a maior parte delas está nesse lugar hoje em dia, seja no Brasil ou lá fora. É o sonho delirante dos Unicórnios. Isso cria um ambiente hostil. Mas tem as que atuam com propósito e muitas destas darão muito certo. Para os dois casos, essas técnicas de Mindfulness e Flow são fundamentais. É importante desenvolver rotinas meditativas que se enquadrem no cotidiano das pessoas que atuam nesse mundo tão acelerado da inovação. Esse espaço de silêncio, de vida anterior, de olhar para si. As empresas terão que dar esse afago espiritual para os seus colaboradores. Empresas serão coisas muito diferentes do que imaginamos que elas sejam.

Instituto Caldeira – Como você imagina que o Instituto Caldeira, enquanto espaço de inovação, pode fomentar esses temas como diversidade, flow e saúde mental?

João MognonO mundo externo está muito acelerado para a gente conseguir fazer sentido dele. Para a gente encontrar nossos talentos e colocar eles a serviço da sociedade, precisamos de ajuda para a buscar esse equilíbrio dinâmico. Espaços como o Instituto Caldeira, que se propõe a promover a inovação e a transformação, têm que ser também Spas da Mente, lugares onde pessoas podem ir para ter experiências imersivas de conhecimento, para trocar ideias com pares, para se relacionarem, inclusive, com outras formas de vida (plantas, animais, inteligências artificiais) e também para poderem relaxar, desenvolver esse tipo de prática em cabines de meditação, tanques de flutuação e tantas outras possibilidades de tecnologias ligadas a mente-corpo que estão surgindo por aí. Penso nesses espaços do futuro como um fablab da mente, onde a cobaia, no melhor dos sentidos, é você mesmo.