Inteligência artificial: qual o potencial do Brasil em desenvolver IAs nativas?
O potencial de startups brasileiras que desenvolvem produtos baseados em inteligência artificial (IA) nativa é imenso. Mesmo assim, há um longo caminho para posicionar o Brasil mais próximo das nações que lideram os investimentos em pesquisas de IA aplicadas à indústria, como Estados Unidos e Israel. Os desafios passam por maior sinergia entre universidades e mercado, reduzir a burocracia na adesão a incentivos públicos, ter mais linhas de crédito adequadas à realidade do setor e, por fim, maior acesso a financiamento, sintetizam especialistas da área.
Durante a 2ª edição da Semana Caldeira, realizada entre 18 e 22 de setembro, em Porto Alegre, o time de conteúdo do Instituto Caldeira conversou com grandes empresas de tecnologia, hubs de inovação e startups nacionais, cujo core é a IA, para entender melhor esse cenário: os gargalos e as oportunidades no país.
Mas primeiro é preciso explicar o contexto:
Conforme mapeamento do Distrito, a IA é a principal tecnologia emergente utilizada por startups brasileiras: O Report Panorama Emerging Tech, de 2023, mapeou 111 empresas das 504 que utilizam tecnologias emergentes. No caso do Rio Grande do Sul, o uso de inteligência artificial é listado como uma das 10 principais áreas de atuação das startups, aponta o RS Tech 2023.
“Novas aplicações em inteligência artificial têm ganhado força, ultrapassando a barreira da ciência profunda e conquistando espaço em soluções práticas de mercado”, afirmou o Distrito em seu estudo.
Hoje, parte do uso de IA no Brasil ainda é baseada em tecnologias estrangeiras, mas estamos em um momento grande de desenvolvimento local. Segundo Thiago Viola, diretor de IA da IBM América Latina, o país está numa zona de maturidade e verticalização no modelo de negócios, no que diz respeito à IA:
Quando pensamos em IA, vemos que o Brasil começa a entrar no patamar de desenvolvimento e uso de tecnologia similar à tendência global mas, embora estejamos evoluindo, a especialização brasileira ainda passa por um processo de aprendizagem.
Viola percebe avanços nacionais, por exemplo, no uso de chatbots com IA generativa para atender o consumidor final, o que é um caso de ‘tropicalização’ que tem dado muito certo, segundo o executivo da IBM.
Para que nasçam mais empresas brasileiras com grandes soluções baseadas em IA, que tenham escalabilidade global, é preciso crescer exponencialmente os investimentos na área – este é o pensamento comum entre os especialistas.
Conforme Paulo Costa, CEO do Cubo Itaú, é preciso mais investimento na base para transformar a ciência brasileira em ativo comercial:
Eu vejo muitas startups utilizando inteligência artificial como facilitadores das atividades, gerando ganho de eficiência, mas através de produtos ofertados pelas bigtechs estrangeiras. Ter como core a IA, produzir em casa essa tecnologia, tenho visto pouco.
A razão disso, obviamente, é a falta de investimentos, tanto em pesquisa quanto em poder computacional. Em relatório que define as estratégias do governo para uso da IA no Brasil, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação reconhece que existem ainda desafios relacionados ao aprimoramento do ambiente brasileiro de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e inovação. O documento aponta os seguintes dados:
1 – Segundo o Índice de Inovação Global de 2019, o Brasil está situado na 66ª posição, tendo como dois de seus maiores desafios o investimento no ambiente de negócios e a infraestrutura tecnológica.
2 – Dados do Banco Mundial corroboram tal diagnóstico, ao classificar o Brasil em 138º lugar quanto à facilidade de se iniciar um negócio e em 124º lugar no que se refere à facilidade de se realizar um negócio. Além disso, o Brasil investe 1,27% do seu PIB em P&D, enquanto a média de investimento dos países-membros da OCDE é de 2,39%. – Israel investe 5% do PIB em P&D, por exemplo.
3 – No que diz respeito à Inteligência Artificial, os desafios ainda são consideráveis. Em 2019, enquanto os EUA investiram US$ 224 milhões em startups de IA, e a China US$ 45 milhões, o Brasil investiu apenas US$ 1 milhão.
Cloud democratiza estrutura computacional
Segundo Jomar Silva, gerente de relacionamento com desenvolvedores para a América Latina da NVIDIA, o acesso a hardwares por meio da nuvem tem permitido que as startups usem a estrutura de cloud para desenvolvimento, treinamento e operacionalização de tecnologias baseadas em inteligência artificial.
No passado, a primeira coisa que uma startup precisava fazer era montar um datacenter, então o capex que ela precisava despender era muito alto. Os créditos de cloud da NVIDIA estão democratizando a estrutura computacional.
O executivo explica que no segmento de IA é muito comum haver reuso de tecnologia: “quando falamos de uma rede neural básica, que trabalha de forma genérica, o trabalho das empresas é especializar essa rede para a função que desejam. É isso que as empresas fazem no mundo todo”. Mesmo assim, Jomar esclarece que existem startups brasileiras criando suas redes neurais do zero, mas isso demanda alto poder computacional.
Pixforce: case de IA brazuca
Criada dentro do ambiente acadêmico, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a startup Pixforce desenvolve visão computacional para otimização de processos industriais, através de IA nativa e uso de dados nacionais. Sediada no Instituto Caldeira, a empresa passou pelo programa de aceleração no hub gaúcho e conquistou destaque internacional, mas a caminhada não foi nada fácil.
A gente virou a chave em 2018, quando entendemos que visão computacional era nosso produto e a grande ferramenta de otimização do processo industrial. Toda a inteligência nasceu dentro da academia, explica Vitor Tosetto, diretor de operações da Pixforce.
O capital inicial da empresa veio a partir de uma rodada para amigos e família (friends and family, no inglês). Esse é o caminho mais utilizado pelas startups gaúchas na busca por investimentos: cerca de 89% começam com recursos próprios e apenas 21% conseguem capital por meio de rodadas de investimentos, aponta a RS Tech 2023.
Tosetto relata que as startups, principalmente em fases iniciais, têm muita dificuldade em acessar linhas de créditos por meio de instituições financeiras tradicionais. Isso porque, são raras as linhas compatíveis com o capital de risco.
Essa dificuldade foi evidenciada na RS Tech 2023: das startups gaúchas que responderam a pesquisa, 75% nunca buscaram linhas de créditos de bancos públicos ou privados e 9% tentaram acessar, mas não conseguiram.
Outro ponto é que 72% não conhecem ou não buscaram acessar políticas públicas de apoio a startups e 14% tentaram acessar sem sucesso.
“A Prefeitura de Porto Alegre tem um programa de redução do ISS para empresas de tecnologia, por exemplo, mas não é fácil acessar, tem muita burocracia e, não conseguimos a redução pois estávamos no Simples Nacional, regime onde estão a maioria das startups”, relata Tosetto.
A Pixforce só conseguiu a redução do ISS quando foi para o regime Lucro Real. “Isso não faz sentido, pois o apoio tem que vir quando as startups estão em fase inicial”, aponta.
Além dos programas de aceleração, o grande impulsionador das soluções da Pix Force é, justamente, a iniciativa privada.
O que a relação da OpenAI e Microsoft ensina?
Embora o ChatGPT tenha revolucionado o mercado de IA generativa no início deste ano, a OpenAI, startup que desenvolveu a tecnologia, vem recebendo investimentos bilionários da Microsoft há cerca de quatro anos. Desde então, a empresa criada por Bill Gates construiu um supercomputador para alimentar a tecnologia OpenAI, entre outras formas de suporte.
Atualmente, a tecnologia está sendo embarcada em todos produtos da Microsoft, que saiu na frente de outras bigtechs quando o assunto é Processamento de Linguagem Natural (NLP, na sigla em inglês). Tudo isso por causa de uma estratégia consolidada, voltada a identificar startups promissoras em IA.
Esse caso expõe como as grandes empresas podem liderar mercados da nova economia através das startups, realizando investimentos robustos em tecnologias emergentes, diz Andrea Cerqueira, vice-presidente de Vendas da Microsoft Brasil.
A executiva explica que a chave para conexão com a OpenAI foi entender se o que eles estavam desenvolvendo estava muito alinhada à missão Microsoft e se havia um denominador em comum entre as empresas.
“Para outras empresas que buscam parcerias com startups, é preciso identificar se elas estão alinhadas ao seu negócio e se trazem um valor agregado que sua empresa não tem hoje. Esse foi o mote da parceria com a OpenAI”, conclui a VP de Vendas da Microsoft Brasil.
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