Educar na era da IA: especialistas defendem formação centrada em habilidades humanas

O avanço acelerado da Inteligência Artificial traz à tona um tema que, até pouco tempo, parecia restrito a filmes de ficção científica: como garantir que sistemas cada vez mais autônomos atuem em conjunto com a humanidade, e não ao contrário? 

“Pela primeira vez, máquinas começam a tomar decisões não apenas com base em respostas humanas, mas a partir de aprendizagens autônomas contextualizadas”, algo que, segundo Ronaldo Mota, Titular da Cátedra Fredric Litto de Inteligência Artificial e Metacognição UFRJ, “muda tudo” na forma como pensamos sobre inteligência.

Esse movimento surge a partir de sistemas capazes de interpretar contextos e otimizar soluções de maneira independente, o que reforça a urgência de discutir como garantir que seus objetivos permaneçam alinhados aos valores humanos. O tema foi discutido no painel “Education in (R)evolution – AI, Creativity, and the Future of Learning”, que fez parte da programação do AI Day desta quinta-feira (4) no Instituto Caldeira.

A única coisa clara sobre a IA é que ela está provocando mudanças enormes em nossa sociedade, afetando muito mais do que apenas a educação.

Para o especialista em metacognição, as transformações que estamos vivenciando hoje rememoram às causadas pela internet há 25 anos. “A diferença é que não temos, com a IA, o mesmo tempo para nos adaptarmos como tivemos, ou como pelo menos tentamos fazer, com a internet”, considerou Mota.

Diante desse cenário, Claudia Costin, Conselheira The World Bank e integrante do Conselho de Administração do Instituto Caldeira, reforça que o grande desafio não está apenas na tecnologia, mas na formação das pessoas, em especial dos jovens.

“Não é mais apenas decorar conteúdos. Precisamos, hoje, ensinar como pensar matematicamente, filosoficamente, cientificamente”, afirmou a ex-diretora de Educação Global do Banco Mundial. 

Ao analisar os resultados do último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), Claudia destaca que 50% dos jovens de 15 anos das escolas públicas e privadas do Brasil não são capazes de diferenciar fatos de opiniões — dado que se torna alarmante quando se pensa em um futuro em que decisões provavelmente serão tomadas em parceria com sistemas autônomos. Para ela, criatividade e pensamento crítico serão competências essenciais num futuro muito próximo.

FRASE DESTAQUE

Robôs não têm empatia, persistência e garra, que é uma combinação de esforço e paixão, que é humano. As escolas precisam ensinar isso com intencionalidade pedagógica e o professor precisa ser um modelo no uso dessas habilidades.

Na perspectiva de Pegor Papazian, Chief Development Officer da TUMO – Center for Creative Technologies, a questão central não está apenas na capacidade da IA, mas na forma como as pessoas irão se relacionar com ela. Ele lembrou que ferramentas digitais podem facilitar processos criativos, mas jamais substituem a convivência e a motivação genuína. “Criatividade não depende da ferramenta. Depende do ser humano”, reforçou.

Papazian também chamou atenção para uma mudança silenciosa, mas profunda, no comportamento dos jovens: muitos estão começando a usar a inteligência artificial como companhia emocional. Ele observou que adolescentes recorrem a ferramentas como o Chat GPT para desabafar, pedir conselhos ou simplesmente conversar, criando uma relação que, segundo ele, “pode até ser útil em alguns níveis, mas não pode substituir as relações humanas de verdade”. 

O especialista afirmou ter medo desse movimento justamente porque a convivência real, nos aspectos positivos e negativos, são essenciais na formação social. “É perigoso quando a IA começa a ocupar o lugar de amigo”, alertou. Para ele, manter ambientes educativos que favoreçam interações presenciais é essencial para garantir que a tecnologia complemente, mas não invada totalmente o espaço humano.

Foi consenso entre os painelistas que o futuro da inteligência artificial não depende apenas de avanços técnicos, mas da capacidade humana de interpretar, refletir e assumir responsabilidade sobre o rumo dessas tecnologias. 

Para que a IA siga a serviço da sociedade — e não o contrário — será preciso fortalecer competências que nenhuma máquina consegue reproduzir. “Se queremos tecnologia alinhada ao humano, precisamos de humanos capazes de pensar sobre o próprio pensamento”, reflete Ronaldo.