CVCs mais que dobram no Brasil: entenda essa nova janela de oportunidades para startups
É raro encontrar hoje no mercado brasileiro grandes empresas atentas para a temática da inovação que não tenham anunciado estratégias de investimento dedicadas às startups, como os chamados fundos corporate venture capital (CVC). Entre 2019 e 2022, o número de CVCs mais do que dobrou no Brasil, em meio à ascensão global de fundos corporativos, apontam dados do Distrito.
Em 2020, o volume de investimento registrado pela plataforma foi de US$ 261,70 milhões; dois anos depois, em 2022, esse número saltou para US$ 925,20 milhões. Embora 2023 não tenha superado o ano anterior, há uma expectativa consensual do mercado de que 2024 será marcado por um aumento no número de deals.
Diante dessa nova janela de oportunidades para startups, nosso time de conteúdo entrevistou fundos lançados por empresas da Comunidade Caldeira, na intenção de entender qual o papel desses veículos para o ecossistema de inovação.
Na visão das fontes, o movimento faz parte de um novo ciclo de inovação aberta das corporações, dedicado a potencializar negócios transformacionais que gerem valor à empresa-mãe do fundo ou ao mercado em que ela está inserida.
“Os CVCs se diferenciam dos tradicionais fundos venture capital (VC) ao não priorizarem apenas os retornos financeiros, embora isso seja importante para a perenidade das iniciativas. É preciso priorizar os ganhos estratégicos que a startup investida pode trazer à companhia em médio prazo”, explica Mateus de Abreu, diretor da Randon Ventures.
Contudo, a maioria dos fundos nacionais não se comporta dessa forma. Enquanto globalmente a maior parte dos CVCs não possuem metas ousadas ou equiparadas aos retornos de VC, no Brasil mais da metade dos CVCs buscam retornos semelhantes aos fundos tradicionais de capital de risco, indicam dados da Abvcap.
Isso diz muito sobre o processo de maturação desse modelo no Brasil. A maioria dos CVCs têm até três anos no país, segundo a Abvcap.
Para Paulo Emediato, CMO da Oxygea Ventures, a busca pela simetria com a atuação de Venture Capital tradicional pode frustrar a expectativa de muitas empresas:
“É muito difícil que um CVC recém nascido obtenha os mesmos resultados financeiros de um fundo de capital de risco tradicional. Os VCs possuem mais expertise e têm um tempo diferente das corporações, tanto para a análise quanto para tomada de decisões. Portanto, é preciso pensar de forma diferente”.
O que o corporate VC traz de diferente para a mesa é o “smartmoney”, especialistas em determinado mercado, rede de parceiros, clientes e fornecedores.
Em 2021, os investimentos de CVC bateram recorde no mundo, chegando a US$ 169 bilhões, alta de 142% em comparação com o ano anterior. No Brasil, os aportes às startups via CVC giram em torno de US$ 10 bilhões, valor equivalente à metade de toda a movimentação da América Latina, segundo dados da CB Insights.
De acordo com relatório produzido pela EY, junto ao Sling Hub e Alya, 42% dos investimentos corporativos ocorreram por meio de CVC em 2022 – contra apenas 30% em 2021 -, mas a expectativa é que o ecossistema se desenvolva ainda mais, fazendo com que a grande maioria dos investimentos aconteça por meio de veículos estruturados.
O estudo aponta para o uso de veículos corporativos como forma de acessar novos mercados: o fato de 63% dos investimentos corporativos terem sido destinados a startups de setores diferentes comprova esse movimento, aponta o Corporate Investments in the Brazilian Ecosystem 2022.
Mas, afinal, o que são os corporate venture capital?
Em tese, identificar e acelerar novos modelos de negócio, produtos e serviços que possam ser incorporados ao portfólio da empresa-mãe ou resolvam dores de seus fornecedores e clientes é o principal objetivo de um fundo corporativo.
Mas, essa também não é uma verdade absoluta!
“Quando definimos nossa tese de investimentos, entendemos que poderíamos estar buscando oportunidades que nos permitam entrar em novos negócios e clientes no agro.
Não necessariamente precisaríamos incorporar as startups investidas em nossas operações”, esclarece Carlos Eduardo Aranha, líder na SLC Ventures.
Na prática, os CVCs são apenas um pilar dentro da estratégia de inovação aberta das corporações entrevistadas. Eles se somam a iniciativas de venture building e programas de aceleração, por exemplo.
Conforme Eduardo Fuentes, head de Research do Distrito, o corporate venture capital de fato deve ser um dos vários meios de as companhias estreitarem sua relação com o ecossistema de startups.
“Por si só, um fundo de CVC dificilmente resolverá as dores de uma corporação quanto à adoção de novas tecnologias. Por outro lado, quando operado em conjunto com outras estratégias de inovação aberta, seu potencial para causar disrupções dentro de uma empresa é bastante alto”, pontuou em relatório publicado pela plataforma.
A relação dos CVCs com as startups
Na maioria dos casos, os corporate venture capital assumem posições minoritárias nas rodadas de investimento, que normalmente são lideradas por VCs tradicionais. Os investimentos são direcionados majoritariamente em startups no estágio Seed ou pré-Seed, com cheques que variam entre R$ 1 milhão a R$ 5 milhões, mas podem chegar até R$ 15 milhões a depender da oportunidade.
No caso da Randon Ventures, os investimentos são divididos em subteses que contemplam as seguintes verticais: fintechs, insuretechs, startups de manufatura digital, como indústria 4.0 e IoT, logtechs e deep techs.
“O CVC nasce para acessar novos modelos de negócio. Lá atrás, a Randon já visualizava o crescimento de suas unidades de serviços, o que de fato veio a se concretizar, puxado em parte pelo nosso venture capital”, diz Mateus de Abreu, diretor da Randon Ventures.
O fundo tem hoje 8 startups investidas (entre elas a Sirros IoT, da comunidade Caldeira). De acordo com Abreu, já passaram quase 400 startups pelo funil da empresa. “E temos mais de 50 startups conectadas com a Randoncorp resolvendo problemas”, completa.
Ja na SLC Ventures o foco são agtechs. “Buscamos novos produtos, serviços e novos modelos de negócios transformacionais e disruptivos no agronegócio”, explica Carlos Eduardo Aranha, líder na SLC Ventures. O CVC já possui 3 startups em seu portfólio e 9 no radar para 2024.
Lançado em 2021, o CVC da SLC Agrícola está em seu primeiro mandato de cinco anos, com um orçamento de R$ 50 milhões, captados via recursos da própria empresa. Nos próximos anos, a intenção é não ficar mais 100% dependente dos recursos da empresa-mãe.
“Um dos principais objetivos nesses primeiros cinco anos é a internalização e compartilhamento do conhecimento. Quanto mais eu conseguir me antecipar às tendências do agro nos próximos anos e compartilhar esses novos modelos com a alta liderança, mais efetivos estaremos sendo”, explica.
Mas, em síntese, os fundos de capital de risco vão analisar três pilares dentro de uma startup: tecnologia, pessoas (time) e o mercado o qual ela está inserida.
Busca por independência
A forma com que os fundos corporativos são constituídos no Brasil ainda varia muito: enquanto parte deles são geridos sob o guarda-chuva da corporação, outros buscam ser independentes da empresa-mãe. É o caso da Oxygea Ventures.
Desde o lançamento da Oxygea, o fundo buscou não operar sob a mesma estrutura de sua corporação de origem, o que foi definido a partir de um estudo profundo e da combinação das melhores práticas no mercado internacional para chegar ao seu desenho operacional.
“Os processos das corporações tendem a ser muito assimétricos com startups que estão começando. Na nossa visão, quando a frente de investimento está dentro da corporação, a própria agenda da corporação tende a atravessar a atuação do CVC com emergências do core business”, diz Paulo Emediato, CMO da Oxygea Ventures.
Nesse modelo independente, a empresa-mãe tem ganhos financeiros e estratégicos numa perspectiva mais abrangente: a tese de investimentos da Oxygea parte de dois pilares centrais: sustentabilidade e indústria 4.0 e foi formulada a partir dos desafios estratégicos de longo prazo da corporação.
“Tudo o que fazemos dentro da tese do fundo, naturalmente vai ter um alinhamento estratégico com a parent company, mas eu não preciso ter conexão direta com ela no dia a dia. Isso é bom porque blinda o fundo de investimentos da rotina corporativa”, explica Emediato.
De acordo com o CMO, a relação do CVC com a corporate é similar à nossa relação com o sol: “Se estiver muito perto queima e se estiver muito longe congela”.
“Precisamos conciliar o melhor dos dois mundos, sempre com a consciência e o comprometimento com a missão de alavancar o crescimento de novos negócios. O resultado das startups que se relacionam com a gente são o resultado mais importante para a própria Oxygea”, completa.
A Oxygea está sediada no hub Cubo Itaú e também é parceira mantenedora do Instituto Caldeira, bem como possui conexão com os principais hubs e comunidades de startups do país.
Marketplace para CVCs
Uma das etapas mais complexas de um corporate venture capital é identificar startups promissoras, que podem render altos ganhos financeiros ou estratégicos. Isso porque os times das gestoras costumam ser enxutos no Brasil, visto que esse é um modelo ainda em desenvolvimento. Diante disso, a Captable quer auxiliar os CVCs na árdua tarefa de encontrar oportunidades, através de um marketplace para investimentos de risco.
Segundo Paulo Deitos, co-fundador e CEO da empresa, a B3 é para o mercado de ações, o que a Captable é para venture capital. Através de sua plataforma, pessoas físicas e jurídicas podem investir em startups em rodadas de equity crowdfunding.
Diferente de negociações privadas, as transações no ambiente da Captable também permite mais liquidez aos fundos, pois facilita a vender a participação ou aumentar posições em poucos cliques.
“Outra vantagem para os CVCs é que eles conseguem aumentar o investimento em startups sem aumentar o ticket, já que investem uma parte e a Captable capta a diferença no mercado. Isso permite que eles aumentem os testes sem usar mais capital”, diz Deitos.
Na outra ponta, os CVCs também ajudam a endossar o investimento nas startups ofertadas pela Captable, atraindo mais investidores.
“Na minha opinião, a tarefa mais difícil dos fundos corporativos é aprovar o investimento internamente com a diretoria da empresa. Então ele deveria se dedicar a fazer apenas isso, e deixar toda parte de captação de oportunidades para quem já tem a expertise”, conclui.