Tito Gusmão: é muito romântico pensar que bancões e fintechs podem colaborar
Com ele não tem meias palavras. O fundador e CEO da Warren, Tito Gusmão, é direto sobre o que pensa, especialmente quando se trata da relação dos bancos tradicionais com os consumidores que, para ele, ainda é muito desigual. “Os ‘bancões’ ganham spread em crédito, comissões gigantes em investimentos e cobram tarifas absurdas em produtos”, critica.
Apaixonado por finanças e investimentos, Tito nunca ganhou mesada dos pais. Para poder fazer o que queria, aos 12 anos deu início ao seu primeiro projeto de compra e venda de produtos. Tornou-se um pesquisador sobre investimentos e, algum tempo depois, dominava o assunto a ponto de virar o guru sobre esse tema para os seus amigos. Trabalhou durante oito anos na XP Investimentos até que, em 2017, ao lado de Marcelo Maisonave, André Gusmão e Rodrigo Grundig iniciou a operação da Warren. A corretora e gestora de patrimônio é regulada pela CVM, Anbima e Banco Central e hoje auxilia mais de 160 mil clientes a investir melhor. Recentemente, a fintech passou a figurar no ranking Emerging Giants mais promissoras do Brasil, segundo levantamento da KPMG. Desenvolvida com 105 startups, a pesquisa indica que as fintechs são a maioria das Emerging Giants no Brasil, representando 27,6% do total de empresas com esse perfil. Em abril desse ano, a fintech recebeu um aporte de R$ 120 milhões de um pool liderado pelo fundo de venture capital QED Investors, também investidor de players como Nubank e Loft.
Instituto Caldeira – Você está à frente de uma das fintechs mais promissoras do Brasil. Como avalia, deste lado balcão, os desafios de transformação dos bancos tradicionais?
Tito Gusmão – Um banco tradicional é um Titanic, um transatlântico gigante em diversos aspectos. Muitos têm legados de tecnologia da década de 1980. Fazer qualquer coisa nesta estrutura vira um projeto de dois ou três anos, sendo que hoje as evoluções acontecem a cada dois ou três anos. Quem não tem velocidade, acaba ficando para trás. As fintechs são mais leves, não têm legado de tecnologia. Quando eu estava na XP, gastamos R$ 15 milhões para comprar um servidor que hoje tem a mesma capacidade de armazenamento do que se pagarmos US$ 100 na Amazon. O segundo aspecto é modelo de negócios. Os bancões ganham spread em crédito, comissões gigantes em investimentos e cobram tarifas absurdas em produtos, e não é isso que os consumidores querem.
Instituto Caldeira – Dá para convencer os líderes destas grandes organizações a mexerem em um time que ainda está ganhando?
Gusmão – Acho complicado. Imagina chegar no board de uma instituição financeira dessas e dizer: a gente esta faturando alguns bilhões, mas eu proponho cobrar menos dos clientes para não perdermos espaço para os concorrentes que estão chegando. O board vai te olhar e questionar: você quer reduzir o lucro de R$ 10 bilhões para R$ 1 bilhão? É muito difícil tomar uma decisão como essa em um banco com uma estrutura formada, tendo que responder aos investidores trimestralmente. As decisões de futuro são difíceis de serem tomadas no presente. É só voltarmos ao velho clichê da Kodak. Eles mesmos criaram a câmera digital, mas na hora de ir para a reunião com o board e falar em lançar um produto que ia matar o mercado de rolo de filme porque estavam pensando no que ia dar certo no futuro, não é fácil. Se eu tivesse no board da Kodak também ia ficar receoso.
Instituto Caldeira – Como as fintechs podem acelerar a ocupação destes espaços?
Tito – Essas empresas surgem com novas tecnologias e com uma turma que trabalha com a cabeça diferente. A XP ganha 1,4%/ano de taxas, enquanto a Warren 0,6%/ano. Somos duas vezes e meia mais baratos que eles, apenas para citar um exemplo. Em algum momento, os bancos e outros players do setor terão que diminuir os preços para chegar perto da gente. Vamos incomodar tanto que os clientes vão começar a vir mais para nós, aí os grandões terão que reduzir as margens. A nossa vantagem é que nascemos assim, o nosso business está preparado para ser 0,6%. Essa é a vantagem dos novos entrantes.
Instituto Caldeira – Sem falar na possibilidade de tomar risco, que é algo mais complicado para as instituições mais tradicionais.
Gusmão – Exato. Vamos lançar em breve três produtos, que ainda não podemos revelar, mas para os quais ainda não existe regulação clara. As startups estão sempre no limiar e inovar no mundo do dinheiro significa querer incomodar o regulador. Se a gente fosse controlado por um banco, por exemplo, não poderíamos fazer isso. Vamos tomar risco porque estamos fazendo algo que é bom para o cliente, e o regulador vai vir depois dizendo o que temos que fazer. Essa liberdade é importante. Fomos procurados recentemente por um grande banco estrangeiro. Eles tinham interesse em aportar recursos na Warren, mas queriam liderar a locação de risco e complicance. Não dá. Se tem um bancão controlando o risco, você controla inovação e aí nos mata. Não aceitamos.
Instituto Caldeira – Você acredita que os bancos tradicionais e as fintechs podem, de fato, colaborar?
Acho uma visão muito romântica pensar que os bancões e as fintechs podem colaborar. O banco tradicional está preocupado com o faturamento do trimestre e não em criar um ambiente colaborativo.
E as fintechs também estão pensando em crescer – esse é o principal drive destas empresas. As startups de finanças pensam no ambiente mais colaborativo porque acham que isso vai ajudá-las a crescer. Já os bancos dominantes que já geram altas receitas só vão pensar nisso se for algo que vai ajudar a aumentar margem.
Instituto Caldeira – Existe espaço para todos?
Gusmão – Sem dúvida. Os bancos não vão morrer. Eles prestam um serviço importante. São gigantes, com marcas conhecidas e profissionais qualificados. Não há dúvidas de que ajudam o País a crescer, a partir da oferta de linhas de crédito sólidas em diversas frentes. O Brasil vai ter tanta oportunidade que vai ter espaço para bancos e fintechs.
Instituto Caldeira – O que podemos esperar da Warren para os próximos anos?
Gusmão – Estamos com 160 mil clientes, chegando em R$ 4 bilhões sob gestão e, para 2021, queremos alcançar R$ 12 bilhões. Outra aposta nossa são os fundos que investem em empresas sustentáveis e naquelas com mulheres nos cargos de gestão (Warren Green e Warren Equals). Não estamos fazendo isso apenas porque achamos que mundo tem que ser diverso, mas porque as empresas mais diversas ganham mais dinheiro. Queremos ter fundos que performam melhor. As revoluções acontecem cada vez mais rapidamente e esse mundo tem que ser pensado por todo mundo.