Sil Bahia: A inovação não vai acontecer se não tivermos olhares diversos

A tecnologia, setor que está ajudando a transformar digitalmente todos os setores da nossa economia, terá mais de 420 mil postos de trabalho até 2024, segundo dados da Associação Brasileira de Startups (Abstartups). Por outro lado, as mulheres negras, que representam 28% da população brasileira, são as que menos estão inseridas em trabalhos formais. Essa é ou não é uma oportunidade clara para começarmos a apostar na diversidade como forma de resolvermos problemas estruturantes do nosso País, como a inclusão social e evolução das nossas empresas?

Para a codiretora executiva do Olabi e coordenadora da PretaLab, Silvana Bahia, a diversidade é a resposta para o futuro. “Esse é o momento perfeito para essa mudança acontecer. As empresas estão começando a olhar para o tema racial com mais atenção e, inclusive tentando identificar se são racistas. Isso está gerando um apelo maior para a contratação de pessoas diversas”, avalia a especialista.

E ela fala com propriedade de causa. Está à frente da Olabi, uma organização social que busca democratizar a produção de tecnologia na construção de um mundo mais diverso e justo. Já a PretaLab surgiu em 2017, como parte dessa iniciativa maior, justamente, para tentar endereçar esse tema da presença da mulher negra nas áreas de tecnologia e inovação.

E olha que precisamos evoluir muito nisso. Embora mais da metade da população do País seja formada por mulheres, o mercado de tecnologia é formado predominantemente por homens (68,3%) e pessoas brancas (58,3%). Em 21% das equipes de tecnologia do País, não há sequer uma mulher, enquanto em 32,7% dos casos não há nenhuma pessoa negra. Os dados são da pesquisa Quem Coda o Brasil, realizada no ano passado pela PretaLab em parceria com a ThoughtWorks, consultoria global de software. “Queremos criar pontes entre mulheres negras que querem trabalhar no mercado de tecnologia e as corporações que desejam trazer diversidade para suas ações”, comenta Silvana.

Segundo ela, relatórios mostram que as empresas com diversidade racial performam 33% melhor nos lucros. Mas, para além desses dados, os serviços e produtos melhoram. “A inovação não vai acontecer se não tivermos diferentes olhares sobre uma mesma coisa. Se todos pensarem igual, é muito difícil inovar”, analisa.

Neste sentido, outra questão importante é pensar que as pessoas estão usando cada vez mais tecnologias no seu dia a dia, mas essas soluções estão sendo pensadas e criadas por um perfil único de profissionais, que naturalmente vai desenhar nos produtos e soluções, como um aplicativo, de acordo com as suas experiências de vida.

“Quem trabalha hoje em dia com tecnologia são, basicamente, homens brancos, de classe média alta, que nunca pararam de estudar e que viajam. Estamos construindo um conjunto de tecnologias, mas que ainda é produzido por tipos específicos de pessoas, sem a questão da diversidade”, explica.

Como as empresas devem agir?

O primeiro passo é os gestores reconhecerem que essa é uma questão importante. O momento seguinte é pensar em como inserir mais indivíduos nesse mundo da tecnologia. Não é só contratar, é preciso entender a realidade destas pessoas e investir nelas para retê-las.

Alguns questionamentos precisam ser feitos. Será que os processos devem ser iguais para quem demora duas horas para chegar ao trabalho, pega vários ônibus e tem filhos em comparação a alguém que mora perto do escritório, tem carro e é solteiro? É inclusivo exigir fluência em inglês nas vagas, já que a parcela da população que não pode se preparar vai continuar excluída? Um caminho alternativo mais efetivo seria, por exemplo, ensinar o idioma para essas pessoas. “A diversidade não vem pronta, precisa ser construída. É um investimento de longo prazo, Não é questão de assistencialismo, mas de compromisso social para começarmos a diminuir esse muro que separa os negros dos brancos”, destaca Silvana.

A gestora do Olabi e coordenadora da PretaLab avalia que a questão racial é tão complexa quanto a de gênero. As pessoas, muitas vezes, acham que racismo está em xingar alguém. Para ela, não é só sobre jogar bananas no campo de futebol para ofender jogadores pretos. Passa por processos de uma vida inteira sem ver pessoas negras ocupando alguns espaços.

“O racismo está evidenciado quando olhamos para uma empresa com 100 funcionários e vemos que as pessoas negras não estão nos cargos mais altos e nem nos intermediários, e sim como auxiliares gerais e segurança.” 

Perfil: Silvana Bahia é diretora do Olabi, organização social com foco em inovação, tecnologia e diversidade, por onde coordena a PretaLab e outras iniciativas. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia da Informação e da Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em Cultura e Territorialidades pela Universidade Federal Fluminense.