Daniel Leipnitz encara novo desafio à frente do Sapiens Parque e busca inspiração em parque gaúcho

Construindo um ambiente de inovação com Daniel Leipnitz

Durante muito tempo, a costa catarinense roubou a cena. Pelo menos para boa parte dos gaúchos e paulistas que, todos os anos, no verão, invadiam as suas praias. Santa Catarina sempre foi sinônimo de paraíso, sol e mar de águas quentes e mansas. Aliás, isto é uma das poucas coisas que o ecossistema de inovação construído no Estado, nos últimos dez anos, não tem conseguido mudar.

O “Vale do Silício brasileiro” produz inovação, crescimento econômico, retém talentos, constrói alianças, gera empregos e cria novas empresas. Atualmente, é a região do Brasil com maior densidade, quando o assunto é o número de startups. Além disso, o segmento de tecnologia já representa 6% do PIB, maior inclusive que o do próprio turismo, quando a média nacional gira em torno de 3%.

Para entender um pouco melhor dessa transformação do Estado, conversamos com Daniel Leipnitz, Presidente da ACATE/SC, um dos principais agentes dessa mudança.

A conversa gira em torno dos principais elementos da mudança, o poder do exemplo, a necessidade da ausência de vaidade e egos, assim como a contribuição de cada um dos agentes – as 4 hélices, como se Daniel se refere – e a importância de iniciativas como Acate, Instituto Caldeira, entre outas, para a mudança efetiva do nosso Estado.

Como você descreveria a jornada de transformação do Estado? Quais os atributos imprescindíveis de um ecossistema vibrante?

Na verdade, isso é algo que já vem sendo construído há muito tempo. Resumidamente, eu diria que, nos últimos 10 anos, houve um esforço muito grande em quatro hélices: governo, empresas, universidades e o movimento das startups.

Esses quatros agentes, através de uma série de programas, fizeram com que o ecossistema catarinense tenha obtido tanta relevância.

O Estado contribuiu com uma série de programas que permitiram operar com investimentos a fundo perdido para a inovação. Foram construídos vários centros de inovação ao redor do estado. As universidades se envolveram em diversos projetos relacionados ao tema, as empresas perceberam valor nas empresas de tecnologia e uma série de movimentos de startups criados através de iniciativas, como o Sebrae.

Estamos escrevendo um livro sobre os 32 vetores – desde ideias, ações e até mesmo questões estruturais – fundamentais para construção de um ecossistema.

Um dos resultados desse contexto é que SC é o Estado com maior densidade de startups do Brasil. Quais os impactos disso? Como as empresas de tecnologia contribuem no desenvolvimento econômico do Estado?

O resultado obtido de tornar SC o Estado com a maior densidade do Brasil tem um motivo predominante: o poder do exemplo.

É simples. Chamamos aqui de “chopp e salgadinho”.

Ou seja, organizamos uma agenda de eventos para os quais convidamos empreendedores. Eles contam as suas histórias, as suas dificuldades, os seus problemas, acertos e, acima de tudo, as “tranqueiras” que aconteceram ao longo das suas jornadas.

Resultado disso: as pessoas que assistem e aproveitam a oportunidade para fazerem perguntas e esclarecerem suas dúvidas, percebem que os convidados são pessoas iguais a elas, isto é, moram no mesmo bairro e pegam o mesmo ônibus para ir para escola. Então, elas chegam em casa e não conseguem dormir, pois ficam com aquela sensação de inveja boa. Elas entendem que também podem. E isso move muita gente.

Elas tomam uma cerveja, conversam, trocam ideias, uns ajudam aos outro e isso gera um impacto muito positivo, principalmente nas pessoas mais novas. E, consequentemente, há um forte impacto econômico.

Para vocês terem uma ideia desse impacto: hoje, por exemplo, em Florianópolis, a maior arrecadação (entende-se 5 vezes maior que o turismo) já vem da tecnologia. Quando uma pessoa ganha melhor, movimenta a economia, compra apartamento, incentiva construtoras, vai a restaurantes e isso tem um impacto muito positivo, pois trata-se de pessoas qualificadas que trabalham nessa área e que fazem efetivamente a transformação da cidade.

Chegamos no ponto em que atingimos 6% do PIB do Estado e temos uma expectativa de terminar a década com aproximadamente 10%. Enquanto, nos demais estados brasileiros, esse segmento representa em torno de 3%.

Como você observa a relação entre grandes empresas e startups? Quais oportunidades destas conexões? Como a cultura startup influencia o restante do mercado?

Vamos por partes.

Em determinado momento, começamos a receber visitas de muitas empresas, instituições de ensino, embaixadas. Nosso desafio passou a ser construir algo que agregasse valor tanto do ponto de vista das startups, quanto para as grandes empresas.

Nesse contexto, criamos o Programa Linklab.

O Programa nasceu de um questionamento. A grande dúvida era como criar algo que agregasse valor às startups e às empresas que estavam nos visitando de tal modo que isso gerasse uma renda para alimentar e sustentar o ecossistema.

Atualmente, esse maravilhoso projeto chamado Linklab conta com 34 corporates sendo o segundo maior projeto de inovação aberta e física do Brasil. Estamos atrás somente do Inovabra.

No que diz respeito ao modo como a cultura startup influencia o restante do mercado, eu entendo que, na medida que a sociedade de Florianópolis descobre as boas práticas e as metodologias de gestão (conceitos como Customer Success, Marketing Digital, metodologias ágeis, gestão de projetos), geradas por este movimento, aos poucos tudo isso tem sido utilizado por outros segmentos. Principalmente, agora, neste contexto de COVID, há uma abertura ainda maior dos outros mercados.

Sendo assim, outros segmentos começam a se reinventar.

Startups estão diretamente associadas a jovem talentos. Como o estado se beneficia com a atração e retenção dos mesmos?

Esse é um ponto muito bacana. Aqui, utilizamos o poder do exemplo, ou seja, construímos uma agenda repleta de programas e meetups, fazendo com que o jovem veja outro jovem “se dando bem”. Ele passa a querer também.

Isso faz com que mais pessoas se interessem pela profissão de empreendedor.

Esse processo aproxima muitas pessoas e, a partir desses exemplos, o mindset muda.

Claro que, dentro das empresas, essa questão de retenção de talentos é uma briga, como em qualquer outro lugar do mundo. Neste caso, são utilizados os artifícios tradicionais: oferecer um ambiente legal de trabalho, espaços bacanas, um endereço legal, o que até pouco tempo era um grande diferencial.

A questão do COVID com certeza impactará de forma muito significativa nesse modelo. Isso deve misturar tudo. O home-office passa a ser muito relevante e aproxima a concorrência externa. Ainda estamos aprendendo como lidar com tudo isso e como as coisas devem ficar.

Nos últimos anos, a formação desta rede coesa e articulada pela sociedade civil tornou possível esta transformação de SC. Qual foi o papel de cada um neste contexto? Como o Estado, a iniciativa privada e a Academia contribuíram neste processo?

O principal ponto, e também o maior recado, que eu gostaria de deixar nesse sentido, é que precisamos deixar nossas vaidades e egos de lado.

A partir do momento que todo mundo se une, querendo fazer coisas em comum, sem que haja alguém querendo puxar a sardinha para si, e, ao contrário, tenta construir algo em conjunto, isso de fato faz toda a diferença. Isso faz as coisas funcionarem muito mais facilmente.

Cada um entra naquilo que é sua fortaleza. Por exemplo, na parte de internacionalização temos a FIESC (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina); no que tange relacionamento, formação e treinamento de Startups, temos o Sebrae; incubação é assunto para a ACATE. Temos a Darwin na parte de aceleração. Ou seja, cada um pode somar e contribuir um pouco com esse processo.

Ainda sentimos muita falta da Academia, pois ela possui um papel fundamental na formação das pessoas, mas acabou não conseguindo monetizar e se beneficiar de outras formas.

Eles têm ficado para trás.

A ACATE é uma referência no que se refere a cooperação e articulação do empresariado, além de ter se tornado, um protagonista no desenvolvimento da região. O Instituto Caldeira nasce de uma conexão entre 39 grandes empresários. Qual a sua visão sobre iniciativas como a nossa? Como o Caldeira pode funcionar como um catalisador da inovação no RS?

A questão do Instituto Caldeira nascer com a conexão com 39 empresas é realmente um diferencial. É sensacional esse movimento que vocês estão fazendo!

O RS tem muitos talentos e muitas empresas. Mais, inclusive, que a própria região de Santa Catarina. Estava mais que na hora de essas iniciativas se organizassem para tornarem-se cada vez mais fortes.

Estas empresas precisam mostrar para as startups – para as pessoas que têm ideias e que querem efetivamente fazer as coisas acontecerem – que têm abertura para fazer negócios e gerar oportunidades.

O empresário precisa ser mais flexível. É necessário trabalhar o mindset dele, antes de o colocar frente a frente com as startups. Alguns empresários querem ficar com a maior parte das startups, tirando todo o tesão do empreendedor, ou querem explorar, usando gratuitamente a tecnologia das startups para construção de cases. Isso não ajuda.

Precisamos deixar muito claro para os empresários que esse não é um trabalho de marketing cujo objetivo é mostrar que estão engajados e envolvidos com a inovação. É preciso ter entrega. E entrega se faz através da geração de negócios.

É preciso trabalhar o mindset do grande empresário, pois ele vai precisar ajudar. Ele precisa dar espaço para a inovação e entender que a inovação é um caminho longo. Diferentemente da compra de uma mercadoria já validada. Ele vai precisar construir junto.

Por outro lado, a startup também precisará de todo o apoio de profissionais que vão ajudá-la na parte comercial, na parte de produto. Neste caso, é possível chamar o SEBRAE ou uma instituição que pode apoiá-la nesse ponto.

Para ser efetivamente um catalisador, a principal questão é qual o valor a startup vê no Instituto Caldeira e como ela pode se beneficiar estando aqui.

Assim como a corporate também precisa ver valor e saber que há uma parcela de contribuição para o desenvolvimento da sociedade gaúcha de inovação.”

O trabalho em rede baseado na cooperação é uma marca da Nova Economia. De que forma instituições como Caldeira e ACATE podem atuar em conjunto? Concorda que a consolidação da Região Sul como um polo pujante e vibrante vocacionado para a tecnologia e inovação pode gerar excepcionais resultados para o Brasil?

São diversas!

A gente pode trabalhar visando a troca de oportunidades, de conexão e compartilhamento de desafios das corporates, tanto as que participam do Caldeira, quanto as que participam do Linklab, ACATE.

Podemos trabalhar em eventos conjuntos, fazendo um intercâmbio entre os ecossistemas. Temos muito o que aprender um com o outro, visitando empresas, ideias e programas que vêm sendo realizados.

Podemos também agendar pitch days cruzados com as 39 empresas fundadoras aqui em SC e levando nossas empresas para o RS, além de construir um porto seguro para as empresas catarinenses que querem trabalhar no RS. E vice-versa.

São muitas coisas. O mindset de inovação é colaborativo. Entender que, se um cresce, crescem todos.