Camilla Junqueira: as scale-ups são a principal alavanca do crescimento sustentável do Brasil

Mercado, talentos e acesso à capital. Esse é o tripé que precisamos estimular para que o Brasil passe a ter scale-ups mais maduras e, assim, capazes de apoiar a transformação da nossa economia. É o que aponta Camilla Junqueira, diretora geral da Endeavor, organização global de fomento ao empreendedorismo de alto impacto presente em mais 30 países. As scale-ups são operações que crescem pelo menos 20% ao ano, por três anos consecutivos (em volume de funcionários ou receita). “São empresas com alto crescimento, grandes responsáveis pela geração de empregos e, por consequência, de riqueza para a economia local”, relata. Para ela, finalmente, o Brasil entrou no radar como um País que produz inovação e empresas capazes de competir globalmente. Mas, ainda falta um caminho a ser percorrido. “Um ponto essencial para alavancar o crescimento das empresas é a aprovação de uma reforma tributária ampla sobre a base de consumo. Hoje, o Brasil é o pior país em tempo gasto por companhias para pagamento de tributos. Em 168 países, bens e serviços são tributados por um imposto único”, analisa Camilla. 

Instituto Caldeira – Apesar das dificuldades do cenário macroeconômico, o ano de 2020 ajudou a mostrar a importância do empreendedorismo de alto impacto no Brasil? 

Camilla Junqueira – Nos últimos anos, vimos o Brasil, definitivamente, entrando no radar como um País que produz inovação e empresas capazes de competir globalmente, e não parece que os desafios de 2020 mudaram esse cenário. De 2019 para cá, por exemplo, ultrapassamos Israel no número de unicórnios. O tempo que leva para uma empresa brasileira se tornar unicórnio vem reduzindo: média de 12 anos para as fundadas em 2006, como Pagseguro, para uma média de seis anos para as que surgiram em 2012, como 99, Gympass, Stone, Ebanx, Quinto Andar. A Loft, fundada em 2018 pelos empreendedores Endeavor Mate Pencz e Florian Hagenbuch, levou menos de um ano para atingir a marca. 

Instituto Caldeira – Como foi o impacto da pandemia para as scale-ups?

Camilla – As scale-ups foram impactadas como todas as demais empresas. A vantagem desses negócios é que eles são, normalmente, mais ágeis, e conseguiram se adaptar para operar e ganhar mercado em um novo cenário econômico e de consumo em 2020. Um destaque para as empresas que oferecem soluções digitais. Porém, aquelas que tinham apenas operação física, tiveram que se adaptar e as que não fizeram isso rápido suficiente sofreram como todas as demais corporações. A capacidade de as scale-ups inovarem e se adaptarem vai continuar sendo um diferencial competitivo importante. Apesar de ainda estarmos vivendo uma pandemia, é possível perceber que mesmo com todos os desafios causados de 2020, as scale-ups brasileiras puderam seguir crescendo e, inclusive, captando mais do que nunca – essa é uma evidência da maturidade e resiliência do ecossistema de venture capital no Brasil.

Instituto Caldeira – Qual a importância das scale-ups para a economia? 

Camilla – Enxergamos as scale-ups como a principal alavanca do crescimento econômico sustentável, impulsionando o crescimento da renda, a criação de empregos e o impacto no ecossistema de um País. Por serem empresas de alto crescimento, são inovadoras e crescem em escala, o que potencializa a geração de impacto e oportunidades para o ecossistema em que estão inseridas. Empreendedores e empreendedoras de scale-ups geram milhares de empregos, inovação, oportunidades, mobilidade social e riqueza para a sociedade. Além disso, uma característica importante que observamos em quem está à frente desse tipo de negócio é a capacidade de multiplicar seu sucesso mentorando, investindo e inspirando outros empreendedores. Esse comportamento tem como consequência o desenvolvimento de ecossistemas de empreendedorismo e inovação cada vez mais maduros, criando um ciclo virtuoso que produz cada vez mais negócios inovadores e com impacto relevante no Brasil.

Instituto Caldeira – O que precisa ser feito para o desenvolvimento destas empresas ser mais efetivo?

Camilla – Para que nosso País alcance o potencial empreendedor que almejamos, é importante que cada vez mais scale-ups cresçam e se tornem maduras. Quando pensamos em facilitar e pavimentar o caminho para que essas empresas continuem crescendo, podemos elencar três principais frentes: mercado, talentos e acesso à capital. Quanto mais fundos brasileiros ou internacionais existirem no Brasil, melhor para o/a empreendedor/a. Facilitar o ambiente, tanto para acesso a capital de risco, quanto de dívida, facilita o surgimento e crescimento das scale-ups porque crescer consome caixa. Ao crescer, você precisa acessar capital, pois necessita de mais recursos e, se isso for facilitado, melhor o caminho para que elas possam prosperar.

Instituto Caldeira – Em que aspectos da legislação precisamos avançar este ano?

Camilla – Em 2020, no começo da pandemia, houve uma mobilização da Endeavor, assim como de outras organizações do ecossistema, especialmente no que diz respeito a garantir o acesso a capital para que as empresas pudessem passar pela crise de forma menos grave e até mesmo se mantivesse vivas. Essa mobilização teve resultados positivos, com a aprovação de medidas provisórias que disponibilizaram capital para uma parcela das empresas de alto crescimento. Potencializamos o impacto do Programa Emergencial de Suporte ao Emprego (PESE) entre agosto e outubro, que ofereceu mais de R$ 2,6 bilhões em crédito e beneficiou mais de 550 mil funcionários em quase 15 mil empresas. Ainda assim, uma reforma tributária, por meio da unificação dos tributos no IVA, continua sendo necessária. É por isso que a Endeavor, ao lado de outras organizações relevantes do ecossistema, faz parte do Movimento #praserjusto – que segue em 2021 trabalhando por uma reforma tributária que promova simplicidade, transparência e redução de desigualdades.

Instituto Caldeira – Qual a expectativa da reforma tributária para estimular esse ecossistema? 

Camilla – A aprovação de uma reforma tributária é essencial para alavancar o crescimento das empresas. Hoje, o Brasil é o pior país em tempo gasto por empresas para pagamento de tributos. Em 168 países, bens e serviços são tributados por um imposto único. No Brasil, usamos cinco tributos diferentes. Com um sistema tributário mais simples, as empresas vão gastar menos tempo e recursos para pagar seus impostos, podendo redirecionar seus esforços para áreas estratégicas do negócio. A reforma vai contribuir para a geração de empregos, aumento de salários, crescimento das empresas, redução dos preços, melhoria da qualidade dos produtos e serviços disponíveis.

Instituto Caldeira – Que contribuição as scale-ups podem trazer para acelerar a inovação nas grandes organizações?

CamillaO papel das scale-ups no cenário da inovação aberta é contribuir para a transformação digital dessas grandes corporações. E, em comparação com startups (empresas em estágio mais inicial), as scale-ups têm ainda mais condições de cumprir esse papel. Isso porque, estão melhor preparadas para se relacionar com esses grandes negócios por já terem um modelo de negócio validado e por estarem em fase de crescimento e escala. Tem um time mais robusto, negócios gerados com outras grandes empresas e também estão mais acostumadas com a velocidade e burocracia de organizações maiores. Scale-ups tem musculatura para atender essas grandes empresas no momento em que o projeto vai ganhar e precisar ter escala, principalmente se a corporação quiser implementá-lo, por exemplo, com todos os colaboradores, em todo o País ou até a nível global. Esse perfil de empresa consegue atender melhor e dar velocidade, por ser mais robusta, inovadora e com crescimento acelerado. 

Instituto Caldeira – A falta de profissionais preocupa a Endeavor?

Camilla – Temos um déficit de profissionais qualificados da área de tecnologia e, grande parte das scale-ups são empresas de tecnologia ou possuem um componente tecnológico. O que vemos acontecendo é que esses negócios treinam e capacitam essas pessoas, além de novas iniciativas surgindo para formar esses profissionais – já que o modelo acadêmico tradicional não os capacita na velocidade que as scale-ups necessitam. Por isso, a oferta qualificada de desenvolvedores, engenheiros e profissionais de tecnologia também facilitaria o crescimento dessas empresas. Ou seja, estamos falando de auxiliar a corporação a incorporar novas tecnologias de forma mais ágil, mais barata e com menos riscos e, com isso, a grande empresa consegue se transformar mais rapidamente. 

Instituto Caldeira – Como você enxerga esses novos ambientes/iniciativas de inovação surgindo, como o Caldeira?

Camilla – Enxergamos com ótimos olhos qualquer iniciativa séria que ajude a acelerar o desenvolvimento de ecossistemas empreendedores. Evoluímos muito nos últimos anos e, finalmente, entramos no mapa da inovação global, com empresas ganhando cada vez mais notoriedade internacional pela qualidade dos produtos e serviços desenvolvidos, e principalmente, pela maturidade e competência dos empreendedores por trás de cada projeto. Mas ainda temos um longo caminho para tornar o Brasil de fato competitivo a nível global. 

Metas que a Endeavor segue perseguindo em 2021 

1. Formar empreendedores que são exemplos;

2. Continuar acelerando a scale-ups que mais crescem do País. O objetivo é acelerar +300 scale-ups;

3. Ser uma plataforma de giveback, garantindo que toda a influência da rede de empreendedores e empreendedoras da Endeavor para ser uma plataforma para que possa multiplicar o seu impacto no ecossistema, inspirando a próxima geração; 

4. Facilitar o acesso a capital para quem cresce;

5. Estimular a inovação aberta com scale-ups. O foco é dobrar a aposta no trabalho de Open Innovation com corporações, dando acesso a mercado e capital para as scale-ups através da geração de mais e melhores negócios, e com isso promovendo o crescimento de todo o ecossistema;

6. Articular medidas para simplificar o sistema tributário

7. Promover um ecossistema de scale-ups mais comprometido com a geração de impactos positivos na sociedade